sábado, 15 de agosto de 2009

O preço das coisas

O El Nacional (jornal que recebo diariamente na porta do meu quarto no hotel) de hoje era, obviamente, dedicado principalmente aos desdobramentos da aprovação da ley orgánica de educación. No entanto, foram duas outras matérias, de menos destaque, que me chamaram a atenção. A primeira delas (que talvez eu desenvolva mais tarde em um post dedicado, quando me sentir apto) era uma entrevista com Isabel Allende, sobre seu novo livro que fala de escravidão e liberdade, tendo como pano de fundo a guerra de independência do Haiti, liderada por Toussaint Loverture, e a consequente fuga de famílias francesas (com suas mucamas, escravas-de-família) para New Orleans. A segunda, objeto desse post, trata de uma questão que vem me incomodando já há algum tempo: o preço das carros aqui na Venezuela, e, mais abrangentemente, as distorções observadas em um mercado regulado.

Alguns fatos que é necessário saber pra se entender o mercado de automóveis (e a analogia é válida para varios outros) na Venezuela:

Primeiro, o preço dos carros novos vendidos pelas concessionárias na Venezuela não é oficialmente regulado, ou seja, como no Brasil, existe uma tabela de preços sugeridos elaborada pelas montadoras, mas esse preço não tem que ser seguido necessariamente. No entanto, existe uma pressão enorme do estado bolivariano, que acusa vendedores de carros que não cumprem as tabelas de preços de serem especuladores e, portanto, crimonosos. Existem projetos de lei em transito na assembléia que preveem punições aos "especuladores" que variam de multas pesadas a até 3 anos de prisão.

Nesse cenário, outro elemento fundamental é a escassez de carros disponíveis para venda. Para se ter idéia, no período Jan-Jul de 2008 se produziram na Venezuela 85 mil carros, contra 175 mil vendidos (e essa demanda não deve cair, em um país onde a gasolina é dada de graça e o transporte público é extemamente deficiente), ou seja, mais da metade dos carros foram importados. Dadas as restrições que existem à obtenção de dólares para importações no país (no mercado oficial o dólar é cotado a Bs.F 2,15 enquanto no paralelo, ou seja, no mercado de facto, o dólar chega facilmente a Bs.F 6,50) não é difiícil prever que o que acontece é falta de oferta de veículos para atender à demanda existente. O tempo médio de espera nas listas das concessionárias para se obter um carro novo chega a seis meses. Você compra o carro em Janeiro e só começa a andar em Julho.

Obviamente, isso é quase um pedido pra que se desenvolva um mercado paralelo e, é claro, existe no país um mercado bastante desenvolvido de veículos de segunda mão, alguns recém saídos das concessionárias, que podem ser vendidos por preços bastante superiores ao de tabela.

Alguns exemplos trazidos hoje pelo jornal: o Toyota Corolla 2008 é encontrado no mercado de carros usados a Bs.F146.000, enquanto o mesmo carro, novo, tem preço de tabela de Bs.F 134.000. O Ford Fiesta novo sai por Bs.F 75.000 enquanto um modelo 2008 sai por BsF. 80.000

Para nós parece algo que deveria ser fundamental, mas o venezuelano paga ágios de até 10% para poder comprar uma mercadoria e recebê-la no momento da compra.

Essa distorção é também um grande estímulo para fraudes. A sede dos consumidores e a falta de opções faz com que eles sejam alvo fácil. Não é incomum que se venda, no mercado paralelo, o mesmo carro a mais de uma pessoa ou que, depois de efetuar o pagamento, o comprador descubra que se trata de um carro roubado. Os riscos do mercado secundário eram justamente o foco da reportagem do El Nacional, que alertava para a necessidade de compradores estarem atentos. No entanto, na minha opinião, o buraco é bem mais embaixo.

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